O Impacto Global dos Fatores de Risco Cardiovascular nas Estimativas de Vida
- Thiago Midlej
- 24 de set.
- 6 min de leitura

O artigo "Global Effect of Cardiovascular Risk Factors", publicado no New England Journal of Medicine, apresenta uma análise aprofundada sobre como a presença ou ausência de cinco fatores de risco cardiovascular clássicos afeta a expectativa de vida livre de doenças cardiovasculares e a sobrevida geral.
Este estudo inovador, realizado pelo Global Cardiovascular Risk Consortium (GCVRC), harmonizou dados de uma coorte massiva, proporcionando insights cruciais sobre a prevenção global.
As doenças cardiovasculares (DCV) continuam sendo a principal causa de morte, impondo um fardo social, econômico e de saúde pública substancial. Cinco fatores de risco modificáveis – hipertensão arterial, hiperlipidemia, baixo peso ou excesso de peso/obesidade, diabetes e tabagismo – respondem por aproximadamente 50% da carga global de DCV. No entanto, o impacto exato desses fatores na expectativa de vida e a diferença entre ter e não ter esses fatores de risco, ou modificá-los ao longo do tempo, ainda não era totalmente clara.
O objetivo principal desta análise foi justamente quantificar essas associações.
Os pesquisadores avaliaram dados de 2.078.948 participantes, provenientes de 133 coortes, abrangendo 39 países. Os participantes foram acompanhados para estimar o risco de vida de DCV e morte por qualquer causa até os 90 anos de idade, com foco especial na presença ou ausência dos cinco fatores de risco aos 50 anos. As definições dos fatores de risco foram padronizadas:
Hipertensão Arterial: Pressão arterial sistólica de 130 mm Hg ou mais.
Hiperlipidemia: Níveis de colesterol não-HDL de 130 mg/dL (3.36 mmol/L) ou mais.
Baixo Peso/Excesso de Peso ou Obesidade: IMC inferior a 20 ou igual ou superior a 25.
Diabetes: Com base no histórico médico, relato do participante ou novo diagnóstico.
Tabagismo Atual: Tabagismo regular ou ocasional de cigarros, charutos ou cachimbos.
A “diferença de tempo de vida” foi calculada como a diferença nas expectativas de vida entre um participante sem os fatores de risco e um participante com todos os cinco fatores de risco, ou entre aqueles que modificaram um fator de risco e aqueles que não o fizeram.
Os achados do estudo são surpreendentes:
Aos 50 anos, entre os participantes com todos os cinco fatores de risco, o risco de vida de desenvolver DCV antes dos 90 anos foi de 24% para mulheres (IC 95%, 21 a 30) e 38% para homens (IC 95%, 30 a 45). Em contraste, entre aqueles que não apresentavam nenhum dos cinco fatores de risco, o risco foi de 13% para mulheres (IC 95%, 12 a 16) e 21% para homens (IC 95%, 18 a 23). Isso demonstra que mesmo em um perfil considerado "ótimo", um risco substancial de DCV permanece, sugerindo a influência de fatores não clássicos ou o impacto de risco residual.
Aos 50 anos, entre os participantes com nenhum fator de risco, o risco de vida de morte antes dos 90 anos foi de 53% para mulheres e 68% para homens. Para aqueles com todos os cinco fatores de risco, esses números saltaram para 88% para mulheres e 94% para homens.
A diferença na expectativa de vida entre participantes sem fatores de risco e aqueles com todos eles é particularmente impressionante:
Anos de Vida Adicionais Livres de DCV: 13,3 anos para mulheres (IC 95%, 11,2 a 15,7) e 10,6 anos para homens (IC 95%, 9,2 a 12,9).
nos de Vida Adicionais Livres de Morte (Sobrevida Geral): 14,5 anos para mulheres (IC 95%, 9,1 a 15,3) e 11,8 anos para homens (IC 95%, 10,1 a 13,6).
Esses dados revelam que a ausência desses cinco fatores de risco clássicos aos 50 anos de idade está associada a uma expectativa de vida mais de uma década maior em ambos os sexos, tanto em termos de vida livre de DCV quanto de sobrevida geral.
O estudo também detalhou o impacto da ausência de cada fator de risco individualmente, ajustado para a presença dos outros quatro.
Diabetes: A ausência de diabetes foi associada a 4,7 anos adicionais de vida livre de DCV para mulheres e 4,2 anos para homens. Para a sobrevida geral, a ausência de diabetes significou 6,4 anos adicionais para mulheres e 5,8 anos para homens.
Tabagismo: A ausência de tabagismo foi ligada a 5,5 anos adicionais de vida livre de DCV para mulheres e 4,8 anos para homens. Para a sobrevida geral, a diferença foi de 5,6 anos para mulheres e 5,1 anos para homens.
Pressão Arterial Sistólica: Uma pressão arterial sistólica inferior a 130 mm Hg foi associada a 1,3 anos adicionais de vida livre de DCV para mulheres e 1,8 anos para homens. Esta diferença aumentou quando foram utilizados escores de desvio padrão regionais, atingindo 2,3 anos para mulheres e 2,1 anos para homens.
Colesterol Não-HDL: A associação com o colesterol não-HDL foi mais complexa. Usando o limite estrito de <130 mg/dL, a diferença foi negativa (p.ex., -0,4 anos para mulheres), o que é um ponto importante para a prática clínica, pois sugere que apenas atingir esse valor não garante automaticamente um benefício expressivo se outros fatores não forem controlados ou se o risco basal já for alto. No entanto, quando os escores de desvio padrão regionais foram aplicados, a ausência de hiperlipidemia foi associada a 1,2 anos adicionais de vida livre de DCV para mulheres e 1,1 anos para homens.
IMC (Baixo Peso, Sobrepeso ou Obesidade): A ausência dessas condições (IMC entre 20 e <25) foi associada a 0,6 anos adicionais de vida livre de DCV para mulheres e 0,1 anos para homens. Aplicando o escore de desvio padrão regional, essa diferença aumentou para 2,6 anos para mulheres e 1,9 anos para homens.
Esses resultados mostram que diabetes e tabagismo são os fatores de risco com o maior impacto individual na expectativa de vida livre de DCV e na sobrevida geral.
Um dos achados mais clinicamente relevantes é o benefício da modificação dos fatores de risco na meia-idade. O estudo avaliou o efeito de modificar um fator de risco entre os 55 e 60 anos de idade, quando todos os fatores estavam presentes entre os 50 e 55 anos.
A modificação da hipertensão foi o fator que resultou no maior número de anos adicionais livres de DCV.
A modificação do tabagismo (cessação) foi associada ao maior número de anos adicionais de vida livre de morte (sobrevida geral), seguida pela modificação da hipertensão.
Os autores concluem que, a ausência de todos os cinco fatores de risco aos 50 anos foi associada a uma diferença máxima de expectativa de vida de 13,3 anos para mulheres e 10,6 anos para homens em comparação com aqueles com todos os fatores.
A extensão da diferença de tempo de vida variou dependendo do fator de risco específico ausente.
Foi observada heterogeneidade regional na magnitude da diferença de tempo de vida, exemplificada pela hipertensão.
A modificação da hipertensão foi associada ao maior número de anos de vida adicionais livres de DCV, enquanto a cessação do tabagismo foi associada ao maior número de anos de vida adicionais livres de morte.
O estudo amplia o conhecimento atual ao utilizar um vasto e diverso conjunto de dados globais, melhorando a generalização dos resultados. Ele também enfatiza a importância de empoderar os indivíduos, mudando o foco de simplesmente reconhecer o risco para explorar a associação potencial entre a modificação do fator de risco e anos adicionais de vida saudável.
Opinião:
Este artigo fornece evidências contundentes do impacto positivo que a ausência ou a modificação de fatores de risco cardiovascular tem na expectativa de vida.
Reforça o conceito que a Prevenção Primária é Fundamental: O controle agressivo de múltiplos fatores de risco desde a meia-idade pode adicionar mais de uma década de vida livre de DCV e morte.
Lembrando que, segundo os autores, a modificação da hipertensão é a estratégia mais eficaz para aumentar os anos de vida livres de DCV, e a cessação do tabagismo é crucial para a sobrevida geral.
Embora os benefícios sejam globais, a heterogeneidade regional sugere a necessidade de adaptações nas estratégias de prevenção, levando em conta os perfis de risco específicos da população local.
Este estudo não apenas quantifica os anos de vida perdidos e ganhos devido a esses fatores, mas também serve como um poderoso argumento para campanhas de saúde pública e intervenções clínicas focadas na modificação do estilo de vida e no manejo proativo dos fatores de risco cardiovascular.
É um trabalho que reforça a mensagem de que a prevenção tem um impacto direto e significativo na quantidade e qualidade de vida dos pacientes.
Referência: The Global Cardiovascular Risk Consortium. Global Effect of Cardiovascular Risk Factors on Lifetime Estimates. N Engl J Med 2025;







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